Um case de sucesso

Publicado em março/2024

The Big Money is not in the buying and the selling, but in the waiting.

 Charlie Munger

Este mês trazemos os resultados de uma de nossas teses de investimento, que encerramos essa semana, e aproveitamos para fazer uma reflexão sobre o processo decisório na gestão de investimentos.

O papel do preço no processo decisório

Quando falamos de investimentos é comum surgirem conceitos como Valor, Rentabilidade, Diversificação, Oportunidade, Risco, entre muitos outros. Mas o abordamos aqui é um dos mais relevantes, o Preço, e a partir dele procuramos responder: Qual é o seu papel no processo decisório? Qual o seu papel na formação do ‘sentimento’ sobre um determinado ativo? Como podemos lidar com as incertezas?

Conforme discutimos no texto sobre Valuation (LINK) podemos definir o preço como o ponto de encontro do seu Valor de um bem atribuído por quem compra, e por quem vende, quando uma troca acontece. Ou seja, o Preço é a pura manifestação do Valor por meio de uma troca.

No momento no qual compramos um imóvel, por exemplo, estamos em última instância trocando a posse daquele bem com outra pessoa por uma soma em dinheiro, esse é o Preço que pagamos. Se uma das partes está em desacordo sobre essa quantia, a troca não ocorre e, dessa forma, não há Preço, apenas o Valor que cada parte acredita ter esse imóvel.

Quando tratamos de ativos listados em bolsas de valores, a dinâmica segue um princípio similar, mas muito mais amplo. Ao invés de duas partes negociando, temos milhares, ou talvez milhões, de pessoas fazendo-o ao mesmo tempo. Nesse contexto, o Preço passa a ser a média de todos os Valores atribuídos por todos os agentes à medida em que essas negociações ocorrem.

Quando atuamos nesse grande mercado, o único impeditivo que temos para possuirmos ou não um determinado ativo é a nossa própria atribuição de Valor para aquele bem. Ou seja, a nossa disposição individual de comprar ou vender.

Porém, se caso decidirmos não o comprar e o preço deste ativo subir, ficamos arrependidos? Ficamos mais propensos a comprá-lo, mesmo a preços maiores do que aqueles do qual abrimos mão? E se comprarmos e ele cair, teremos medo? Aceitaríamos vendê-lo, mesmo a preços mais baixos do que o Valor que acreditamos ter?

Naturalmente, essa é uma resposta individual. Por isso, vamos discutir essa perspectiva sob a ótica do processo de gestão de ativos

‘Nada como preço para mudar o sentimento’

Ao final de 2021, uma empresa de pequena capitalização (valor de mercado) na bolsa chamou nossa atenção. Em dezembro daquele ano, a companhia distribuiu um pagamento extraordinário de dividendos de R$ 8,19/por ação decorrente da venda de algumas propriedades imobiliárias em outubro daquele mesmo ano.

O tamanho desse dividendo foi tão expressivo que atraiu a de atenção do mercado, inclusive a nossa, pois representava um retorno de quase 50% considerando o preço de fechamento no dia do direito ao recebimento do dividendo. Um investidor que tivesse comprado essa ação 6 meses antes da distribuição teria um retorno do seu investimento inicial de mais de 80%, somente com os dividendos, em apenas 6 meses!

Essa empresa era a Syn Prop & Tech (SYNE3), que nasceu da cisão parcial da Cyrela (CYRE3) em 11 de abril de 2007, e hoje, com mais de 16 anos de experiência, opera nos segmentos de shopping centers, e edifícios de alto padrão, com investimentos concentrados nos estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Goiás

O Caso de SYNE3

A Syn é uma das maiores empresas de aquisição, locação, venda e desenvolvimento de imóveis comerciais do Brasil, sendo o principal dos negócios o de locação. Possui um portfólio de aproximadamente 193 mil m² de área locável em operação, dos quais: 63 mil m² constituem o segmento de Edifícios corporativos Triple A e Classe A; e 127 mil m² estão em empreendimentos de shoppings centers diretamente administrados pela companhia.

Nossa grande pergunta nesse momento era: Perdemos essa oportunidade ou essa companhia teria algo valioso e escondido no seu balanço que passou desapercebido? Será que teria ainda capacidade de pagar mais dividendos de forma recorrente, ainda que menores que aquela mega distribuição?

Em nossa análise do ativo, encontramos dois vetores de valor para a companhia e neles baseamos nossa tese: (i) potencial de geração de caixa e de pagamentos de dividendos decorrentes de projetada melhora operacional; (ii) aparente sub-precificação dos imóveis de seu portifólio, em contraste com o preço da ação.

Ora, se o primeiro vetor dependia dos resultados da empresa nos trimestres seguintes para se materializar, o segundo dependeria exclusivamente do mercado precificar corretamente seus ativos garantindo a valorização da ação.

Nossa tese central de valorização foi apoiada no seguinte: 1) calculamos o Valor de Mercado de SYNE3 dividido pela área do portfólio, que nos dava a sua precificação por m² (p/m²); 2) considerando também a dívida para representar a estrutura alavancada da empresa, modificamos a conta para o Enterprise Value/ m² (EV / m²); 3) comparamos esses valores com a média dos mesmos indicadores de fundos imobiliários (FIIs) similares ou com transações recentes que ocorreram na mesma região.

Concluímos que os ativos de Syn estavam sub-precificados no preço de tela da ação da companhia.

As incertezas e as decisões de alocação

Acompanhamos a tese entre o início de 2022 e o início de 2024 e, apesar da tese de valorização ter se provado verdadeira ao final desses 2 anos, o caminho nesse período colocou nossas convicções à prova.

Entre janeiro de 2022 e março de 2023 a ação chegou a cair mais de 60% e, após uma pequena recuperação, terminou janeiro de 2024 em queda de mais de 35% em relação ao preço de 2022.

Apesar dos resultados operacionais terem nos decepcionado ao longo desse período, o vetor da sub-precificação dos ativos continuava vivo e cada vez mais forte à medida que os preços continuamente caiam. Entretanto, ao invés de termos mais certeza do fortalecimento da tese, de forma contraditória, essa certeza era cada vez menor.

O sentimento de ansiedade gerado pelo fraco desempenho operacional e a queda constantes nos preços traziam consigo uma angústia cada vez maior: “erramos nessa tese”. Mas onde erramos: No prazo? Nas premissas? Nas expectativas? Na estratégia?

Não era tão clara a resposta, mas a nossa decisão caminhava cada vez mais para o encerramento gradual da posição. E voltamos com a frase inicial: ‘Nada como o preço para mudar o sentimento’.

É interessante pensar que, nestes casos, quando a realidade do Preço diverge do que projetamos, a insegurança leva a uma mudança de sentimento, mesmo que nada tenha se alterado. Se a tese de sub-precificação dos imóveis gera a expectativa de valorização, a queda no preço, ao invés de reforçar a tese, a destrói.

E se, por outro lado, o preço subisse aos poucos e continuadamente, será que o sentimento seria o oposto? A sensação de ‘nossa tese estava correta, a ação está valorizando porque ela está descontada’ poderia dar mais coragem para continuar a investir na empresa?

Mas agora, o mais importante, qual foi o desfecho desse investimento? Comentamos anteriormente que, até o final de janeiro 2024, a ação registrava uma queda de 35% em relação a janeiro de 2022.

No entanto, no dia 27/02/2024, após o fechamento do mercado, a companhia anunciou um Fato Relevante referente à proposta aquisição de parte de seu portfólio de imóveis pelo fundo imobiliário XP Malls (XPML11). A transação foi avaliada em R$ 1,85 bi, valor muito superior a todo o valor de mercado da SYNE3 antes do anúncio. O resultado foi imediato, na abertura do mercado no dia seguinte, a ação iniciou as negociações com uma alta de aproximadamente 70%, de um dia para o outro!

A Evolução por meio do processo

Se, olhando para trás, fica fácil pensar que era totalmente racional ter aportado mais nos piores momentos do Preço das ações da empresa, naquela época, isso pareceu ser bem mais difícil. Sabemos que não vamos acertar sempre e por isso as certezas ou incertezas sempre nos dirão que ‘desta vez estamos certos e os problemas não existem mais’ ou ‘desta vez tudo deu errado e os riscos desse investimento eram grandes demais’.

No final das contas, também estamos sujeitos a vários vieses cognitivos que afetam como tomamos decisões. Dificilmente vamos afastar toda e qualquer insegurança e incerteza dos processos decisórios. Mas a prática e a experiência nos tornam mais aptos para tomarmos decisões mais racionais, afastando esses vieses, mesmo em momentos mais difíceis.

O que fica, portanto, como melhoria do processo decisório?

Apesar de haver a possibilidade de grandes ganhos em teses que dependam da venda de ativos operacionais da empresa, esse tipo de investimentos deve ser avaliado com muito cuidado.

Não faz parte da atividade fim de uma empresa vender os seus ativos operacionais para gerar retorno ao acionista, e a espera pela venda dos ativos pode levar a decisões equivocadas.

Dessa forma, uma tese de desconto em relação ao valor patrimonial só deve ser usada como apoio para validar o investimento em empresas com resultados operacionais consistentes, e que irão remunerar o acionista independentemente da venda de seus ativos.