Quando falamos do investimento em renda variável, as pessoas sempre pensam na fórmula: comprar barato e vender caro. Mas será essa a única maneira de se obter bons retornos investindo em ações?
Vamos relembrar que uma ação é um direito sobre os resultados futuros de uma empresa (clique aqui e acesse o texto “O que são ativos financeiros”). Por exemplo, a empresa XYZ lucrou R$1,00 por ação, vai distribuir metade desse lucro na forma de dividendos e o preço de sua ação é R$10,00. O investidor que adquirir as ações dessa companhia receberá na forma de dividendos R$0,50 ou 5% do capital investido. Ou seja, apenas com base na distribuição de lucros desse ano, o investidor terá recebido 5% de retorno.
Diante do cenário de juros mais altos, com a taxa Selic caminhando para 8,5% no final de 2021 (clique aqui e acesse o texto “As Taxas de Juros e os investimentos em Renda Fixa”), 5% ao ano pode não ser um retorno satisfatório para se correr o risco do investimento em empresas. Hoje o investidor pode adquirir títulos do tesouro brasileiro com vencimento em 2026 prefixados (retornos nominais) que pagam 10% ao ano ou indexados (retornos reais) pagando inflação mais 4,6% ao ano.
Precisamos fazer algumas ponderações, entretanto. Uma ação representa uma fração de uma empresa que possui estoques, máquinas, equipamentos, imóveis e outros investimentos em capital fixo que tendem a preservar seu valor frente a inflação. Pode ser considerada, portanto, um ativo real.
Por esta ótica, o retorno via proventos também pode ser considerado um retorno real (acima da inflação), pois não é necessário vender parte do seu ativo para obtê-lo. Ou seja, não há depredação do principal que tende a ter seu valor patrimonial corrigido pela inflação. Assim, faz mais sentido compararmos o retorno via dividendos de uma ação com um título público indexado.
Outro fator de assimetria em favor das ações, quando comparada à renda fixa, é o crescimento. A empresa apresentada distribui apenas 50% do seu lucro e reinveste os outros 50%, então, o capital reinvestido proporciona crescimento futuro. Ou seja, a grande diferença dos dois tipos de ativos financeiros se dá no fato de que as ações, por meio do reinvestimento dos resultados, podem aumentar o seu retorno ano a ano, ao passo que os títulos de dívida são ativos monetários e não têm potencial de entregar crescimento.
Por exemplo, partindo da premissa de que a parte do resultado não distribuída é reinvestida dentro do próprio negócio a um retorno médio de 15% ao ano, após 5 anos investido na empresa, mesmo que preço da ação corrigisse apenas a inflação, o retorno real deste investimento estará próximo de inflação mais 7% ao ano – partindo da premissa de estamos sempre trabalhando com números reais, corrigidos pela inflação.
Fonte: I.P.A.
No exemplo descrito acima, para conseguir realizar esse retorno, o investidor vendeu suas ações ao fim do período de 5 anos. Mas e se o investidor não desejar vendê-las? E se o seu objetivo for carregar as ações para o longo prazo e usufruir do seu potencial de geração de renda?
Como pode ser observado na tabela, no 5º ano o investidor vai receber 6,7% na forma de proventos sobre o capital investido e a cada ano que passar esse valor tende a subir um pouco mais. Com a perspectiva de crescimento dos lucros das empresas em mente, o investidor ou seu gestor devem ponderar se a renda gerada, assim como o crescimento dessa renda, é suficiente para atingir seus objetivos de longo prazo. Desta maneira, ainda que não vendesse suas ações o investidor, a longo prazo, tem a possibilidade de alcançar os retornos que deseja.
Dividendos e margem de segurança
O recebimento de proventos é um dos fatores que contribuem para a chamada margem de segurança no investimento em empresas. O conceito de margem de segurança é a ideia do quanto as coisas podem dar errado e, mesmo assim, o investidor não perder dinheiro naquele investimento.
No exemplo apresentado mesmo que o preço das ações da empresa XYZ caíssem na média 5% ao ano, o investidor não perderia dinheiro. Além disso, à medida que as cotações continuassem caindo e seus lucros e dividendos subindo, o investimento se tornaria cada vez mais atraente.
No ano 5, o investidor que comprasse as ações por R$10,00 receberia inicialmente R$0,67 ou 6,7% de retorno sobre o capital investido. E se carregasse as ações por 5 anos, com sua cotação corrigindo apenas a inflação obteria retornos reais de 10% ao ano, conforme tabela a seguir:
Fonte: I.P.A.
Ou seja, quanto mais lucros e dividendos uma empresa entregar maior tenderá a ser o retorno do acionista, mesmo que ele nunca venda suas ações. Sendo assim, ainda que não seja necessário vender seus ativos para se obter retorno, o ativo tenderá a se valorizar, pois, a cada ano de crescimento dos lucros o investimento fica mais rentável.
Isso funciona na prática? O caso de Sanepar
A Sanepar é uma empresa de economia mista que cuida do fornecimento de água e coleta de esgoto de 346 municípios no Paraná. Em 31 de dezembro de 2017 o valor de mercado da companhia era de 5,8 bilhões de reais, dia 8 de outubro de 2021 o valor de mercado da companhia ainda era de 5,8 bilhões de reais.
Qual foi o retorno para o investidor que comprou ações da companhia no final do ano de 2017?
No último dia de negociação do ano de 2017, o investidor poderia ter adquirido as Units (SAPR11 – tipo especial de ação que agrupa ações preferenciais e ordinárias) da Sanepar por R$19,97 cada. Hoje, quase 4 anos depois, as ações negociam à R$19,16.
Um retorno de -4% no período, ou -1% ao ano. O que acontece quando incluímos os dividendos na conta?
Fonte: I.P.A.
O investidor teria obtido retornos de 8,4% ao ano. Com exceção do ano de 2020, impactado pela pandemia, o lucro de Sanepar cresce um pouco a cada ano, isso é característica comum das empresas de utilidade pública, normalmente operam via concessão, com contratos de longo prazo onde suas tarifas são corrigidas ao longo do tempo pela inflação mais alguma taxa, garantindo a perenidade e o crescimento da companhia, enquanto as pessoas ainda tomarem banho e lavarem pratos.
Apesar de o lucro crescer todo ano, devido aos seus projetos de expansão, desde 2019 a empresa passou a reter uma maior parcela dos lucros. Maior retenção de lucros tende a se traduzir em maior crescimento futuro. Podemos observar que, apesar de a crise hídrica estar afetando o faturamento da empresa no curto prazo, o número de ligações (unidades atendidas) com água e esgoto cresce ano a ano.
Podemos esperar, portanto, retornos maiores no futuro, principalmente para os investidores que aproveitaram a baixa de mercado para adquirir mais ações. Nossos modelos indicam taxas internas de retorno na casa dos 20% ao ano caso as ações voltem a negociar na sua média histórica de 5 vezes EV/EBITDA (hoje negociam a 4 vezes, sua mínima histórica).
Margem de segurança e carrego
Carrego é um termo utilizado no mercado financeiro para designar o custo de se ‘carregar’ algo em seu portfólio. A expressão é de uso mais comum nos mercados de derivativos e futuros, por exemplo, ao comprar um contrato futuro de dólar você pagará a cotação do dólar atual mais os juros de hoje até a data de vencimento do contrato, porém, até a data de vencimento do contrato o dólar spot e o futuro vão convergir para o mesmo preço que não necessariamente é o que você pagou.
O excesso de preço que você tiver pago em relação ao dólar efetivo na data de vencimento foi o custo de ‘carregar’ aquele contrato.
Analogamente podemos tratar do custo de carrego de outros ativos, por exemplo, as ações de dividendos possuem carrego positivo, pois, como demonstrado na discussão acima, você recebe proventos ano a ano para ‘carregar’ aqueles ativos em seu portfólio.
O ouro, por outro lado, tem custo de carrego negativo, você pagará os custos e taxas de administração de um E.T.F ou os custos de armazenamento e segurança dentro do cofre de um banco.
Em um mundo de juros mais altos, quanto maior o custo de carrego do ativo, pior tende a ser sua performance, porque os investidores se livram desses ativos devido ao seu alto custo de oportunidade. Uma coisa é você perder 1% ao ano ‘carregando’ ouro no portfólio como um hedge inflacionário em um cenário de juros zerados ou negativos, outra coisa é ‘carregar’ ouro no portfólio com juros de 5% ao ano, o custo de oportunidade aumenta.