Recentemente os portões da entrada do Walt Disney World trocaram sua icônica frase “The Most Magical Place on Earth”para uma frase que parece que sempre esteve lá: “Where Dreams Come True”. Essa singela mudança nos convida a refletir e dissertar sobre a magia do passado dessa empresa, da doce realidade do presente e dos sonhos encantadores de seu futuro. Bem, antes de tanto otimismo, que parece ter sido inspirado pelo próprio Walt, mantenhamos o foco nos resultados financeiros da empresa ao longo dos últimos anos para, mais tarde, projetarmos nossas expectativas.
Hoje é fácil reconhecer que a Disney é uma vencedora, sendo ela a principal empresa de entretenimento de todo o mundo e tendo uma das marcas mais respeitadas e amadas do planeta. Pode-se dizer, então, que sua base de clientes se comporta muito mais como uma fan-base.E isso tem valor, valor monetário, refletida na alta margem de merchandising que a companhia obtém. Ou seja, eles podem cobrar mais por uma pelúcia similar às concorrentes só pelo fato de terem a chancela do produto oficial pois, por serem mais queridos, são mais demandados e podem custar mais. Vejamos os últimos quatro resultados anuais, para exemplificar a situação:
Fonte: Disney RI; Elaboração I.P.A.
Em 2020, com uma receita de produtos de 6,12 bilhões de dólares e um custo direto de 4,47 bilhões a Disney conseguiu obter uma margem bruta em seus produtos de 26,93%. Isto ignorando todo o cenário pandêmico vivenciado no período, que certamente causou aumento de custos e redução de vendas devido às medidas sanitárias e restritivas que afetou a todos, funcionários e clientes.
Em 2019, ano sem o efeito da COVID sobre suas operações, sua margem bruta sobre produtos foi de 38,33%! Em 2018 e 2017 a Disney Co. obteve margens brutas de 39,31% e 39,88%, ainda maiores que as de 2019, com receitas e custos de 8,56 e 8,29 bilhões de dólares e 5,19 e 4,98 bilhões de dólares respectivamente.
Fonte: Disney RI; Elaboração I.P.A.
Core Business da Disney
Mas calma, pequeno Grilo Falante, que o sonho não para por aí. Você, leitor atento, já deve ter percebido que o merchandising não é nem de longe o core business da empresa. E sim, essa lógica se aplica para os demais setores da empresa, obviamente, pelos mesmos motivos. Atualmente o grosso da receita da companhia americana vem de seus parques, resorts e experiências de viagens, que não se limitam ao Walt Disney World e a Disneyland Paris, incluindo outras 11 marcas, dentre elas a Disney Resort Shangai, Disney Resort Tokyo e a Disneyland Hong Kong, citando somente três deste segmento. A outra parcela do principal negócio da empresa, não menos importante que os parques, vem dos conteúdos de mídia e entretenimento (Disney+, ESPN+ Hulu, Hotstar e Disney Music Group).
Estas duas principais fatias da receita da Walt Disney Company são como os dois slogans que se alteraram recentemente na entrada do Walt Disney World. Podemos dizer, portanto, que os parques representam o slogan antigo, o “Lugar Mais Mágico do Planeta”, que comandava o fluxo de caixa da queridinha da classe média mundial com suas longuíssimas filas, que mais pareciam caixas registradoras soando ritmicamente como a tão marcada onomatopeia “tlim! tlim! tlim!” nos ouvidos dos acionistas.
Os conteúdos de mídia representam a frase atual, “Aonde os Sonhos Acontecem”. Isto porque, está no streaming a mais recente aposta bilionária da empresa. Esta remodelagem de negócios animou novamente os ouvidos dos investidores, já que por ter um arquétipo assetlight, é altamente escalável. Isto significa, que para cada assinante a mais que a Disney+ adquire, por exemplo, ela precisará de um custo relativo despendido muito menor do que para conseguir um visitante para um de seus parques ou um hóspede para um de seus resorts. E é aí que os sonhos acontecem!
Projeções
Embora não possamos negligenciar os impactos da pandemia nos parques, conseguimos ver pujança do novo setor, que cresce ano a ano, mas ainda não atingiu o seu auge, já que o Disney+, tido como o novo carro-chefe da produção, foi lançado há pouco tempo, no primeiro trimestre de 2020, não tendo ainda completado 3 anos de maturação. Sendo assim, a criação de conteúdo e a ampliação do catálogo ainda tem muito a evoluir, mesmo já contando com um acervo inigualável.
É interessante ressaltar as características de remuneração desses canais digitais, pois se dividem em basicamente duas fontes de receita: uma taxa de assinatura fixa mensal e verba publicitária. As duas fontes se complementam muito bem, uma vez que uma é bem previsível e a outra tem um quê de sazonalidade, ficando sujeita às audiências das temporadas. Olhando a partir do ponto de vista do copo meio cheio, as receitas podem sempre surpreender positivamente tendo em vista que a Disney, incluindo também as suas subsidiárias, são uma máquina de hitmakers! (Isso sem contar com as temporadas esportivas do ESPN+, que englobam mundiais e olimpíadas, além de seus habituais campeonatos).
Fonte: Disney RI; Elaboração e projeção I.P.A.
Em resumo, vemos a Disney com uma perspectiva de retomada e aumento dos fluxos de receita nas suas principais fontes já para os próximos trimestres. A reabertura dos parques no pós-Covid é uma mera questão de tempo, assim como a ampliação do market share nos seus serviços de streaming, afinal estamos tratando de uma líder com expertise eknow-howno quesito produção de conteúdo, que não se contentará com nada menos que a disputa pela liderança desse mercado. As aquisições da companhia na última década comprovam essa tese, pois o poderio financeiro desta gigante americana abriu caminho para um crescimento não-orgânico, preparando o terreno para sua expansão virtual. As principais aquisições contam com nomes de peso como a Pixar, adquirida em 2006, a Marvel em 2009, a LucasFilm em 2012 e a 21st Century Fox recentemente, em 2019.
Mas, claramente, o mundo dos negócios não é sempre um mundo encantado. Apesar de sua força natural, a empresa certamente terá uma recuperação gradual até que suas margens superem suas marcas históricas, superando os prejuízos trazidos pela COVID, somados com os novos esforços de produção de conteúdo e a um CAC (Custo de Aquisição de Clientes) temporário mais alto. Devido ao novo arranjo de negócios que está sendo traçado, a briga com as líderes Netflix, Amazon e HBO será franca, porém dura.
Fonte: Disney RI; Elaboração e projeção I.P.A.
Mas isto não é motivo para desanimo, caro investidor, muito pelo contrário. O que instiga nessa análise não são as explosões de margens, apesar de acreditarmos em uma melhora significativa de performance, mas a explosão da receita. Ao se aventurar em um novo mercado, mesmo por meio de uma projeção conservadora, mantendo o nível de suas margens históricas, a Disney possivelmente ganhará muito volume de receita. O que significa mais fluxo de caixa. Especificamente, 3 vezes mais do que em 2019.
Fonte: Disney RI; Elaboração e projeção I.P.A.
Com base nas nossas premissas de evolução de receita, principalmente em função do crescimento do streaming, da manutenção das margens globais da empresa, em linha com o histórico já apresentado, elaboramos um modelo de Fluxo de Caixa Descontado para chegar no Valor Justo da Disney Company:
Fonte: I.P.A.
Conforme mostrado na imagem acima, utilizamos um Custo Médio Ponderado de Capital de 7,5%, consenso entre os analistas americanos, para descontar os fluxos de caixas esperados da empresa pelos próximos 5 anos. Assumimos para a perpetuidade um crescimento constante na casa dos 3% a.a. usando a inflação média atual dos Estados Unidos como referência. Assim chegamos a uma Margem de Segurança de 30%, com um valor justo quase 200 dólares. “tlim!”
Ressalvas sobre o comportamento de preço de curto-prazo
Movimentos de curto prazo no preço de sua ação não passaram despercebidos. Na segunda semana de novembro, após a divulgação dos resultados do Terceiro Trimestre de 2021, as ações fizeram um pequeno mergulho de 18,52%, chegando a assustar marinheiros menos experientes. Após essa queda, o mercado entrou numa fase de pânico anunciada, porém, a calmaria dos mares já arrefeceu um pouco os ânimos e a ação já subiu 7,43% desde o fundo dessa turbulência.
Foi o número de assinantes do setor de streaming que desanimou o mercado. Não, os assinantes não diminuíram, eles cresceram menos do que o esperado, segundo o “consenso de mercado”, passando de 173,7 para 179 milhões de assinantes. Ora, considerando que as pessoas, em todo o mundo, passaram mais tempo em casa em home officee estudando à distância, é esperado que haja um choque na demanda maior neste período e que os efeitos desta situação se normalizem gradualmente com o passar do tempo. Vimos esse mesmo efeito em outros setores, como e-commerce e nas grandes redes de supermercados varejistas.
Recordamos que o crescimento orgânico do streaming está atrelado aos lançamentos e manutenções de suas grandes produções. Todo e qualquer esforço de logística se tornará inútil caso esse pilar central de qualquer business de entretenimento não se sustente. Seguimos confiantes na capacidade da empresa de cumprir com esse quesito, como o sempre fez. Ainda porque, existe muito território a ser conquistado nessas águas em disputa, já que a Disney ainda conta com um market share não condizente com sua influência histórica no setor.