Publicado em maio/2023
Exploramos aqui como as escolhas entre investimentos líquidos e ilíquidos podem ser realizadas de maneira não intuitiva devido a vieses comportamentais. Na falta de uma gestão financeira apropriada, um valor importante (liquidez) se torna um defeito, e um defeito (falta de liquidez) se torna uma qualidade.
O histórico hiperinflacionário e de inúmeras turbulências financeiras do Brasil produzem ecos que ressoam no comportamento dos brasileiros até hoje. Ao contrário de países desenvolvidos, onde a sensação de segurança está na liquidez (o dólar ainda é uma instituição forte), no Brasil, essa sensação de segurança, muitas vezes, passa por ser ilíquido e dolarizado, um apartamento, uma fazenda, mais dinheiro no negócio próprio, por exemplo.
A faixa etária entre 40 e 60 anos tende a concentrar grande parte das pessoas aptas a investir. Em geral, são pessoas com vida financeira estável, no auge da sua carreira profissional ou de seus negócios e que já dispuseram de algum tempo para construir patrimônio.
Esses brasileiros iniciaram suas carreiras profissionais na década perdida, viveram num país complicado, viram o confisco de perto e passaram por várias moedas que não tinham a menor credibilidade. Também vivenciaram um boom imobiliário no final dos anos 2000, que valorizou o próprio patrimônio, bem como o de familiares e amigos.
Nada mais esperado que, para essas pessoas, imobilizar seu capital ou esconder ele dentro de seu negócio seja o seu porto seguro, inconfiscável, protegido contra a inflação e que só apresentam variações de preço positivas, quem compra terra não erra (texto aqui).
Por que não aplicar nos altos juros brasileiros?
Apesar do overnight existir a muito tempo no Brasil, o CDI só se tornou aplicação financeira crível com o plano real, em 1994, e o acesso aos títulos públicos para a maioria dos investidores só foi facilitado com a criação do Tesouro Direto em 2002.
Talvez hoje, para esse público, o verdadeiro problema da aplicação financeira não é o acesso (amplamente disponível e nos mais diversos formatos), mas de forma surpreendente a própria liquidez. A maior parte das aplicações financeiras e dos investimentos no mercado de capitais são líquidos e estão, portanto, disponíveis para uma nova decisão a cada dia. Em meio a um mundo inundado de informações e redes sociais, a mais difícil decisão de todas é esperar os investimentos amadurecerem. O que deveria ser percebido como um valor se torna, na prática, um fardo.
Por que as pessoas ganham dinheiro com imóveis e perdem com investimentos financeiros?
Quão difícil é não fazer nada quando se trata de investimentos? Ter dinheiro disponível, líquido em dois dias úteis (prazo necessário para liquidar um ativo em bolsa, por exemplo) pode ser, muitas vezes, uma armadilha.
O noticiário econômico costuma dizer que o mundo vai acabar semana que vem, sempre na semana que vem, até porque se acabasse hoje não haveria tempo hábil para comprar o produto financeiro que vai te proteger da próxima crise, normalmente aquele com custos mais altos.
Como o investidor possui seu capital disponível, deve fazer algo em relação ao noticiário, assim ele compra na baixa e vende na alta, só que não (texto aqui). Na prática, está documentado na disciplina das Finanças Comportamentais o chamado Viés Comportamental da Ação, o mesmo que faz os goleiros pularem no pênalti, mesmo sendo a maior probabilidade que a bola vá em direção ao centro do gol (https://facilethings.com/blog/en/action-bias). Esse viés compromete a capacidade decisória dos investidores e, como consequência, más escolhas são feitas.
O problema da imobilização
À medida que esse capital disponível vai se movimentando em busca das tendências do momento, ele começa a “queimar” na mão do investidor, aí o melhor é imobilizar. E essa sensação ruim de não saber o que fazer leva muitos investidores a recorrem ao seu porto seguro: os imóveis, as fazendas, a manutenção de caixa excessivo nos próprios negócios, etc.
Feito isso, o dinheiro está imobilizado, há muita burocracia e custos de transação elevados para liquidar esses ativos que, normalmente, não podem ser fracionados. Por exemplo, alguém que possua 30 milhões em ativos imobilizados, e apenas isso, se vê obrigado a liquidar um imóvel de 1 milhão para lidar com uma emergência orçamentária de 200 mil, e acaba vendendo por 800 mil pela necessidade de urgência.
Ou seja, vendeu mais patrimônio que o necessário, incorrendo em maiores custos e impostos, por um preço de liquidação relâmpago.
A vitória da iliquidez
Apesar disso, o investidor, ao comprar imóveis, se protege dele mesmo, pois, não havendo a marcação a mercado de seus ativos (volatilidade), não se sentindo obrigado a tomar uma nova decisão a cada dia e tendo dificuldade de movimentar esses recursos, remedia-se o Viés da Ação. Assim, o investidor permite que o efeito dos juros compostos (texto aqui) trabalhem por muito tempo em seus ativos.
Então, para muitos, a dificuldade em acessar o dinheiro, que deveria ser uma desvantagem, se converte em uma vantagem. Via de regra, os imóveis se valorizam, uma vez que são vendidos muito tempo depois de serem comprados, é intrínseco ao ativo respeitar o longo prazo.
Assim, o Viés Comportamental da Ação, o nosso triste histórico macroeconômico e a (in)disponibilidade financeira criam uma tendência à imobilização que caracteriza o patrimônio de muitos dos investimentos brasileiros.