Publicado em março/2023
Recentemente, a tese que tem como seu principal adepto o investidor Ray Dalio ganhou bastante popularidade. Com as notícias da França comprando gás natural por meio do uso de moeda chinesa e a recente notícia do acordo bilateral de comercio internacional entre Brasil e China utilizando yuan e reais como moeda de troca, a preocupação de que a hegemonia do dólar está próxima do fim ganhou as manchetes econômicas.
A tese
A tese explorada em maior profundidade pelo Ray Dalio, traz uma abordagem monetarista sobre os fenômenos econômicos, sociais e políticos dos últimos 500 anos, e em alguns momentos vai até mais longe do que isso, trazendo exemplos históricos como o da antiga civilização romana.
A ideia principal é que existem ciclos econômicos mundiais nos quais alguma nação sempre emerge como a líder de seu tempo, determinando a moeda comum a ser usada nas relações comerciais. No momento atual, vivemos a dominância americana, onde a moeda de troca é o dólar e os países dissidentes da sua política internacional podem sofrer embargos e confiscos.
O grande ciclo econômico
De acordo com o estudo, cada um desses grandes ciclos econômicos dura em média setenta e cinco anos e para a nação que emerge como líder, há um processo de ascensão, auge e queda.
Então, quando uma nação atinge o seu auge, a sua futura concorrente e dominante já está sendo gestada e entrando em fase de ascensão. A condição de potência é alcançada por meio de alguns marcos em áreas estratégicas para cada país, são elas a educação, inovação tecnológica, competitividade, poderio militar, comércio, PIB.
O poder de uma nação dominante
Ao se tornar a potência dominante, normalmente o país atrai capital estrangeiro e também se torna o centro financeiro do mundo, hoje as bolsas de valores americanas são as maiores do mundo, com mais de 50% do valor de mercado das empresas mundiais.
Além disso, e o ponto principal da tese, por concentrar o mercado financeiro e determinar a principal moeda de troca do comercio mundial, a nação líder tem para a sua moeda o status de “moeda de reserva”.
A moeda de reserva
A moeda de reserva é aquela que, por ser aceita como meio de troca padrão em todas as transações comerciais internacionais, é desejada para compor as reservas nacionais de cada país. Por exemplo, o Brasil possui 324 bilhões de dólares em reserva no Banco Central, isso garante a conversibilidade do real e traz a confiança necessária para que o país possa participar do comercio global.
Então, o status de reserva traz uma demanda “garantida” por dólar, provendo estabilidade e tornando os títulos de dívida americanos mais seguros. Além da segurança dos títulos que já os tornariam mais atrativos, o dinheiro que fica em reserva nos Bancos Centrais também é investido em títulos do tesouro americano.
A queda
Com sua moeda e títulos amplamente desejados por todos os países, os Estados Unidos conseguem emitir dívida e dólares sem necessariamente incorrer em inflação. Dessa forma, o status de moeda de reserva permite que o governo atenda as demandas internas de seu povo sem ter que pagar um custo muito alto por isso.
Mas um dia a conta chega, e a queda do patamar de superpotência vem acompanhada de inflação e perda de confiança na moeda de referência global. Por conta da perda de confiança, os países ao redor vão buscando formas de desvincular o seu comercio de uma moeda que irá apodrecer, além é claro, das próprias pressões das nações concorrentes que adorariam ver suas divisas emergir ao status de moeda de reserva.
Por conta do noticiário recente, alguns autores argumentam que já passamos pelo auge do dólar e estamos lentamente acompanhando o processo de queda dos Estados Unidos como nação dominante.
A substituição
Alguns argumentam que a próxima nação dominante será a China, com o segundo maior PIB do mundo e articulando acordos comerciais com países importantes, que estaria pronta para se lançar como a próxima super potência. O principal empecilho desta tese seria que, por conta do seu regime político, é difícil haver confiança na sua moeda e sua conversibilidade.
Ainda que este processo esteja de fato em curso e a China, ou qualquer outro país, venha a emergir como nova grande potência e, com isso, o dólar de fato perca sua relevância, é importante estarmos cientes de que esse é um processo e não uma ruptura.
No que diz respeito a perda do poder do câmbio, é interessante notar que, de acordo com Ray Dalio, a Inglaterra perdeu o status de moeda de reserva na primeira guerra mundial (1917), apesar disso, ano passado, foi a primeira vez que Libra Esterlina negociou de um pra um com o dólar. Em outras palavras, não é necessário vender todos os seus dólares amanhã.
A substituição que nunca aconteceu
Nos anos 80 uma potência superpopulosa e com uma ética de trabalho imparável surgiu no horizonte para desbancar os Estados Unidos, o Japão seria a próxima potencial mundial e os dias de seu concorrente estavam contados.
No final das contas não foi isso que aconteceu, os Estados Unidos reagiram fazendo guerras comerciais e o crescimento demográfico do Japão estagnou. Sem crescimento populacional e com sua corrente de comercio ameaçada o Japão vive estagnado a duas décadas.
O que fazer para preparar seus investimentos para a nova ordem mundial
Nada. Se você já possui uma carteira de investimentos diversificada entre tipos de investimento, dívidas, ações e moeda, não existe bala de prata. Você deve continuar focando naquilo que você pode controlar, gestão, aporte e tempo.
Como sempre gostamos de salientar, uma boa carteira de investimentos deve contar com cinco pilares de fundação, reserva de emergência, previdência, ganho de capital, investimento no exterior e diversificação fora do mercado financeiro (aqui pode até mesmo ser o seu trabalho e a sua capacidade de fazer dinheiro).
Por fim, sempre bom lembrar que não devemos sustentar exclusivamente a alocação de ativos em previsões macroeconômicas, pois a expectativa acaba se provando muito diferente da realidade (texto aqui).
Por fim, mesmo as empresas que você investe nos Estados Unidos não emitem dólares. Por exemplo, a Apple emite iphones, a HP emite impressoras, a AT&T emite 5G e por aí vai. Sejam libras, dólares, yuan ou ouro, as empresas vão vender seus produtos pela moeda corrente do seu tempo.
Ressalvas
Esse texto não tem a pretensão de cobrir todos os aspectos relacionados aos ciclos econômicos globais e a discussão sobre moeda, nesse sentido, muitos detalhes foram deixados de lado. Seguimos à disposição caso alguém queira discutir os pontos levantados com maior profundidade