O caso Americanas

Publicado em Janeiro/2023

No mês de janeiro o evento que assustou o mercado brasileiro foi a descoberta de fraudes nas Lojas Americanas e o seu posterior pedido de recuperação judicial. As fraudes no mundo corporativo existem, mas como podemos nos proteger delas?

Contexto

Explicando a situação em termos simples, a Americanas pegava empréstimo com bancos para pagar seus fornecedores. Com o objetivo de não assustar seus investidores e credores com um endividamento muito alto, classificava esse passivo de maneira “equivocada”

Assim, os indicadores de dívida estavam subestimados. Ou seja, a empresa devia mais dinheiro do que apresentava em seus balanços. No mês passado, quando o novo CEO assumiu a companhia, pediu renuncia assim que percebeu a manobra contábil.

Com a manobra contábil exposta, a dívida da companhia explodiu. O novo patamar de endividamento violava os covenants (compromissos) assumidos nos contratos com os credores, que foram fazer as respectivas cobranças. Por fim, a empresa entrou com pedido de recuperação judicial para se proteger da execução das dívidas.

Como proteger sua carteira de um evento adverso

A primeira ferramenta do investidor será sempre a diversificação, que nos protege de casos particulares. Porém, em momentos como esse, os investidores sempre ficam preocupados com o risco sistêmico: “Se há fraude nas Americanas, deve haver fraude em todas as varejistas da bolsa, em todas as empresas da bolsa, em todas as empresas do Brasil.”.

Assim, precisamos desenvolver um raciocínio um pouco mais profundo para entendermos como um portfólio de investimentos pode ser mais resiliente diante da possibilidade da ocorrência de eventos como esse – muito difíceis de serem previstos.

Algumas vezes já falamos que uma empresa, ou qualquer ativo, vale a soma dos seus fluxos de caixa futuros descontados a valor presente (leia o texto aqui para se aprofundar mais nesse assunto), e são nos fluxos de caixa que encontramos segurança.

Lucro não é geração de caixa

Uma coisa é comum a todas as fraudes, não há caixa para sustentar as operações por muito tempo. Quem quer evitar o risco de perda permanente de capital pode ter um critério básico na hora de selecionar as empresas, elas têm que gerar caixa.

Fraudar a geração de caixa é mais difícil que fraudar lucro contábil ou algum índice de balanço. Uma empresa que gera caixa e paga dividendos há 5, 10, 15, 20 anos, tem uma probabilidade bem menor de estar cometendo uma fraude como essa.

Os recursos que são devolvidos constantemente aos acionistas têm que vir de algum lugar. Em algumas ocasiões você pode até ter esse retorno de capital sustentado pela venda de ativos, mas não é algo sustentável nem mesmo a médio prazo, por exemplo, ocorreu no caso da IRBR, que não se sustentou nem 3 anos.

Então, se observamos bem, perceberemos que normalmente essas fraudes contábeis encontram terreno fértil em empresas como a Eron, OGX, Americanas, Theranos, todas não pagavam dividendos aos acionistas. A empresa pode até reportar lucro por alguma movimentação contábil, mas o acionista não recebe nada.

Normalmente, essas empresas e seus diretores estão sempre vendendo expectativas de resultado futuro pra coletar aporte de capital. Veja o caso da Elizabeth Warren, ou até mesmo a correto de criptoativos FTX.

A Elizabeth Warren por meio de medicina diagnóstica avançada, dizia que conseguiria até mesmo prever um câncer com um simples exame de sangue, imagine o quão lucrativo seria esse produto se fosse real.

E o caso da FTX, a corretora de criptomoedas que fraudava os depósitos dos clientes e os investia em operações altamente especulativas para ganhos próprios, terminou como um grande passivo nas mãos dos acionistas.

As grandes fraudes são construídas em cima da venda de uma expectativa futura enquanto que, na prática, o acionista nunca recebe nada. Assim, investir em empresas que devolvem o dinheiro para o acionista regularmente, já mitiga bastante esse risco.

O que é um investimento?

O fluxo de caixa não é apenas uma camada de proteção contra fraude. O retorno do investimento ao acionista é a razão de ser dos investimentos, investimento é todo o capital que você aloca com o objetivo de receber proventos no futuro. Sejam esses proventos, juros, alugueis ou participações nos lucros.

Nesse sentido, investir em ativos maduros e que já geram caixa permitem que o investidor não caia no erro da especulação. Em geral, o objetivo é adquirir, ao longo da vida, um fluxo constante e crescente de renda do capital com a poupança do trabalho.

Vale a ressalva de que há inúmeros casos de investimentos exitosos em startups e empresas com modelos de negócio ainda não consolidados e que resultam em excelentes lucros para os seus acionistas. Tentar acertar os vencedores do futuro também é uma abordagem válida de investimentos – é o que fazem em profundidade os Fundos de Private Equity. A diferença é que investir em quem já gera caixa é sem dúvida mais seguro.

Outros comentários pertinentes:

Fundo de reserva DI do Nubank

Aqueles que acompanharam mais de perto as notícias viram que um dos efeitos colaterais do caso Americanas, foi o impacto na rentabilidade alguns fundos de renda fixa tidos como seguros.

O caso que mais chamou atenção foi o fundo de reserva imediata do Nubank, o ativo que em tese não teria volatilidade caiu -0,35% no mês e perdeu mais de 300 mil cotistas.

Valor recuperável de junk bonds (títulos podres)

Títulos de renda fixa não costumam perder todo seu valor, normalmente mesmo no evento de um calote ou recuperação judicial os papéis tendem a negociar entre 10 a 20% de seu valor original.

Isso acontece pois existem firmas especializadas em dívidas de recuperação duvidosa (popularmente conhecidas como fundos abutres), que compram esses títulos e trabalham para a recuperação de ao menos parte dos valores devidos.

Ainda que as Lojas Americanas venham a falir, existem ativos em seu balanço, imóveis, participações em empresas, estoques, caixa, etc. Se ao final do processo de falência, após pagar os passivos, ainda houver algum valor, os credores são restituídos.