O ano de 2020 e as bolsas de valores

No ano marcado pela epidemia do COVID-19, um dos desdobramentos mais interessantes, do ponto de vista dos investimentos, foi o fato de em meio a uma cenário com ainda tantas incertezas e riscos pela frente, lucros corporativos ainda comprometidos, as bolsas terem recuperado a maior parte das perdas de fevereiro e março tão rapidamente, voltando próximo as máximas de fevereiro (como o Ibovespa) e, em alguns casos (S&P500), já acima destas marcas.

Valorizações extremas

O mês de novembro foi marcado pela maior alta já registrada para o mês desde os anos 2000. A valorização do Ibovespa foi tão forte que essa é a terceira maior alta mensal para este período e está entre as únicas 6 variações mensais acima de 15%.

Ao todo o Índice de ações brasileiro apresentou altas acima de 10% apenas 29 vezes em todo o período observado. Diante de valorização tão expressiva, o que costuma acontecer após momentos tão extremos?

O que nos dizem as estatísticas     

Existe na literatura sobre finanças estudos sobre períodos de grandes valorizações serem acompanhados por mais períodos de grandes valorizações. Com base nos dados para o Ibovespa desde o ano 2000 pode-se ter uma ideia de como essa hipótese se apresentou no caso brasileiro.

Após altas maiores que 10% o índice apresentou resultados positivos em 54% das ocorrências nos 6 meses seguintes, 63% nos 12 seguintes, 74% nos 24 seguintes e 80% nos 36 seguintes. Além disso, o retorno médio foi positivo para todos os períodos, com o retorno anual médio de 21% para o período de 36 meses.

 6 meses 12 meses 24 meses 36 meses
Meses positivos54%63%74%80%
Retorno médio4%12%34%62%
Mediana de retornos1%15%38%57%
Retorno máximo43%77%127%221%
Retorno mínimo-45%-30%-38%-29%
Retorno anual médio12%17%21%

Tabela 1: Resumo estatístico dos retornos após grandes valorizações

Aparentemente o prognostico é positivo, mas além das estatísticas apontando um cenário positivo, quais outros fatores poderiam fortalecer a expectativa de uma valorização da bolsa para os próximos anos?

As taxas de juros e o retorno dos investimentos

Uma das explicações mais relevantes para a alta das bolsas está nas taxas de juros. Quedas nas taxas de juros dos títulos públicos de curto prazo, impactam diretamente os preços das ações e dos demais investimentos de renda variável.

Como essa taxa pode ser considerada a taxa livre de risco da economia, os investidores exigem um prêmio ao investir nos demais ativos e, quanto maior for o risco, maior será o prêmio exigido. Sendo assim, baixas taxas de juros reduzem os retornos requeridos de todos os demais ativos da economia, provocando elevação dos respectivos preços.

Isso decorre do fato de que investimentos em ações ou imóveis, por exemplo, são avaliados por seus fluxos de caixa esperados, trazidos a valor presente por uma taxa de retorno requerida.  Essa taxa de retorno é função da taxa livre de risco.

No caso do ano de 2020, ao se descontar os fluxos de caixa projetados para os ativos de risco com taxas bem mais reduzidas temos o terreno aberto para a valorização destes ativos.

Estímulos monetários e fiscais

O nível das taxas de juros, excepcionalmente baixo, no tanto no Brasil como no resto do mundo, levou os índices de ações planeta afora a recuperar boa parte do terreno que haviam perdido, e em alguns casos atingir novas máximas. No Brasil a taxa meta Selic caiu de 4,5% em janeiro de 2020 para 2% em agosto de 2020, adentrando inclusive no campo dos juros reais negativos. Uma redução de mais da metade no período de apenas 8 meses. Nos Estados Unidos a taxa básica do FED foi estacionada em faixa de 0,00% a 0,25%, trazida de níveis já excepcionalmente baixos.

No mundo, e também no Brasil, além da redução generalizada das taxas de juros foram implementados programas de estímulo monetário e fiscal como os do FED de recompra títulos públicos e privados, os cheques de compensação de renda nos Estados Unidos e o CoronaVaucher no Brasil.

A queda dos juros e os ativos reais

As baixas taxas de juros em conjunto com as medidas de estímulo, tornam mais barato comprar um imóvel e outros bens duráveis pela redução do custo dos financiamentos. Ao mesmo tempo, o lucro das empresas cresce igualmente por essa redução dos custos financeiros e novos investimentos tornam-se mais atraentes.

No caso das ações, naturalmente, não é apenas a taxa de juros o único fator a afetar o seu preço. O lucro das empresas também é outro determinante para o seu preço. A expansão dos lucros corporativos conduz à reavaliação do preço das ações.

Considerando os dois fatores mencionados anteriormente, a relação preço/lucro das ações e o novo cenário de juros baixos que reduz o retorno requerido para esse investimento, o preço das ações brasileiras ainda pode estar descontado e a bolsa barata, mesmo após um aumento de 80% desde o fundo em 23 de março.

Em um mundo de juros tão baixos os investidores se voltam cada vez mais para os ativos de maior risco na busca por retornos mais atraentes e pela manutenção dos retornos futuros com os quais estavam acostumados anteriormente.

Importante destacar que, assumindo-se ainda a continuidade de longo –prazo deste ambiente de juros baixos, após uma primeira fase de reapreçamento geral dos ativos de risco, o retorno esperado dos investimentos deve se acomodar igualmente em níveis significativamente mais baixos.

O desafio para os investidores será então como navegar neste cenário de baixos retornos dos ativos sem assumir riscos excessivos na busca por Yield.