Há sangue nas ruas

Publicado em Outubro/2022

No final do mês de outubro do ano passado a bolsa de valores brasileira caia 30% de sua máxima no ano e os investidores apresentavam elevada preocupação com o futuro dos ativos brasileiros, estávamos diante do aumento da inflação, de uma crise hídrica e com risco de descontrole das contas públicas.

Naquele momento conduzimos um estudo (texto aqui) avaliando os resultados prospectivos do Ibovespa em todas as vezes que havia caído 30%, ou mais, nos últimos 20 anos. A conclusão foi que a expectativa de retornos era bem satisfatória. Agora, quase um ano depois (06/10/2022), estamos com 14% de retorno para o índice de ações.

Vale lembrar que também aproveitamos para traçar um paralelo entre os noticiários do ano passado com os noticiários de 2001. Sempre que a bolsa cai, há notícias ruins e o tempo está nublado, mas como diz a famosa frase de Baron Rothschild, “A hora de comprar é quando há sangue nas ruas”. E hoje o mercado americano está sangrando.

realidade americana (S&P500)

A bolsa de valores americana (S&P500) caia 25% no ano ao final do mês de setembro. Utilizando dados desde 1970, descobrimos que o S&P500 caiu 20% ou mais apenas outras 6 vezes no período.

A partir do momento que a bolsa de valores atinge uma queda de 20% a média dos retornos para 1 ano, 2 anos, 3 anos e 5 anos é positiva.  Sendo o retorno médio anual composto (CAGR) para um ano de 13% e para 5 anos de 10% ao ano. Nunca houve um retorno negativo em 5 anos e o menor retorno em 3 anos foi de apenas -3%.

Então, é simples, esperamos a bolsa de valores cair 20%, compramos uma parte relevante do nosso patrimônio financeiro e a longo prazo vamos ter retornos próximos a 10% ao ano em dólar, podendo chegar a 20% ao ano no melhor dos casos e ficar no zero a zero no pior dos casos, é um jogo de cara ou coroa onde se cair cara você ganha e se der coroa você empata.

Retirando a pandemia da conta

Apesar de um prognóstico inicial mais animador, se retirarmos o breve mercado de baixa decorrente da pandemia em 2020, os cenários se tornam menos otimistas no curto prazo (12 e 24 meses), porém sem efeitos para o médio prazo (36 e 60 meses).

No final das contas, ainda estamos vivendo os efeitos tardios da pandemia na economia. O freio de mão que foi puxado na atividade econômica nos levou a juros absurdamente baixos e gastos governamentais excessivamente altos.

Dinheiro se tornou lixo (texto aqui) e os ativos reais, como as ações e imóveis subiram de valor de maneira acelerada. Em 2022 estamos vendo os ativos devolverem esses excessos em um movimento de volta a moderação. A vida seria mais fácil se ao invés de subir 20% ao ano nos últimos 2 anos o S&P500 tivesse adotado uma rota mais suave de 10% ao ano, não haveriam excessos para serem devolvidos.

Os seus investimentos e o S&P500

O mercado é uma amálgama de ativos financeiros que não representa de maneira acurada seus investimentos. Ao longo dos últimos anos sempre evitamos os nomes da moda, principalmente concentrados nos setores de saúde e tecnologia.

Grande parte da alta do mercado nos últimos anos se valeu justamente da ascensão das FAMNG’s (Facebook, Amazon, Miscrosoft, Netflix e Google) o que trouxe a reboque todo o setor Tech. Portanto, a queda atual, e até mesmo um possível aprofundamento desta queda, não é nada mais do que o mercado alternando de mania para depressão.

Por outro lado, setores que damos maior peso em nossas carteiras internacionais, por exemplo, energia e imobiliário, não sofreram deste excesso nos últimos anos e já se encontram bastante deprimidos.

O que estamos fazendo nesse ciclo de baixa?

Já fazia algum tempo que argumentávamos que o mercado de bond’s (renda fixa) era mais arriscado que o mercado de ações. Dessa forma, nos últimos tempos, sempre procuramos nos posicionar em vencimentos mais curtos, a tese se provou correta com o índice agregado da Bloomberg caindo 20% no ano.

Apesar de ser uma queda menor que a do mercado acionário, vale lembrar que enquanto empresas são dinâmicas e podem crescer seus lucros, os bond’s são estáticos e tem uma dificuldade muito maior de recuperar perdas. De qualquer maneira, após essa queda, já encontramos títulos relativamente curtos de empresas sólidas pagando entre 5 – 8% ao ano.

Então, estamos aumentando aos poucos nossa exposição aos bond’s. Lembre-se que o retorno médio histórico do S&P500 gira em torno de 11% ao ano, 8% em um bond é uma oportunidade que deve ser aproveitada.

Os REIT’s, fundos imobiliários americanos, apesar de se encontrarem em patamares de valuation já historicamente atrativos não foram poupados da queda, o índice de REITs americanos cai 18% no ano. Assim, também temos fundos imobiliários pagando dividendos que representam pelo menos 8% ao ano. Entretanto, nesse caso o retorno é considerado real, ou seja, ao longo do tempo os fundos imobiliários vão repassando a inflação para os seus inquilinos e os dividendos crescem acompanhando este movimento.

Por fim, temos as ações internacionais, enquanto o universo das Tech talvez ainda não mereça muita atenção, existe uma serie de ativos que já se encontram em um bom patamar de precificação, seria o caso de HP, que vamos explorar um pouco mais nas próximas sessões.

A renda fixa e a renda variável

Já escrevemos algumas vezes sobre as diferenças entre preço e valor (texto aqui). Também já falamos sobre a renda fixa não ser fixa (texto aqui), mas que, apesar disso, se você carregar um título até seu vencimento ele lhe pagará exatamente o que foi “combinado” na hora da compra. Recomendo uma releitura desses conceitos antes de seguir com o texto.

Uma maneira de entender porque devemos comprar ações quando o mercado cai é trata-las como títulos de renda fixa com cupom e prazo indefinidos.

Se um título de renda fixa que vencem em 10 anos, denominado em dólares, tem um principal de 100 e um cupom (pagamento de juros) de 10, quer dizer que ele vai pagar 10 dólares por ano e mais 100 no vencimento para o portador do título. Portanto, se você pagar 100 dólares por esse título, ganhará 10% ao ano (juros simples para facilitar a conta), por 10 anos.

O que acontece se esse título for uma ação e você pagar os mesmos 100 dólares? Para início de conversa, uma ação não tem vencimento, então, não existe um principal a ser recebido.

O equivalente ao principal é o valor de venda das suas ações, que pode oscilar diariamente, portanto além de prazo indefinido possui valor indefinido. Ainda, as ações não têm cupom, ao invés disso pagam dividendos com base no seu lucro, que a priori, também é indefinido.

Ao comprar uma ação a única informação concreta que você tem é o valor de compra, como acessamos as outras informações?

O Processo de valuation

O processo de valuation consiste basicamente de estudar o modelo de negócios da empresa, seu histórico e a partir disso projetar os lucros/fluxos de caixa futuros do ativo e é com base nessa projeção que podemos ter uma estimativa do cupom (dividendo) desse título.

Essa técnica tende a ser suficientemente precisa, principalmente para empresas maduras em setores consolidados. Assim, podemos ter uma boa estimativa do cupom das ações por meio do processo de valuation.

Além disso, em teoria, esses fluxos descontados a taxa juros de longo prazo mais um prêmio de risco (texto aqui), nos dão o valor justo da empresa, ou seja, o valor no qual a empresa deveria ser vendida, seu principal.

Mas o que garante que na prática o preço de tela de uma ação vai convergir para o seu valor estimado via fluxo de caixa descontado? Oferta e demanda.

A Convergência matemática de preço para valor

Suponha, um mercado muito simples, onde os agentes evitem fazer previsões sobre o futuro.

Nesse mercado, você pagou 100 reais em uma ação e ela vai te retornar 10 reais no primeiro ano. Até então, o bond é mais seguro e paga o mesmo cupom, os investidores venderiam a ação e comprariam o bond.

No segundo ano o lucro do ativo sobe 10%, agora a empresa paga um cupom de 11 reais por título enquanto o bond continua pagando os mesmos 10 (lembre-se, bond’s não são dinâmicos). Agora alguns poucos investidores já preferem comprar a ação ao bond, pressionando o preço da ação para cima.

Nos anos seguintes, o processo se repete, a empresa cresce os lucros e o cupom do bond continua igual. Dessa forma à medida que o tempo passa e os lucros empresariais vão crescendo aumenta-se a pressão para que o valor da ação se valorize juntamente com seus lucros.

Na prática, os agentes do mercado fazem diversas previsões sobre o lucro futuro das empresas, assim muitas vezes a ação se valoriza até mesmo antes de seus lucros começarem a subir.

O ponto principal é que se você comprou uma boa empresa, cujos os lucros sobem de maneira consistente, a médio prazo o mercado não terá escolha a não ser valorizar corretamente o seu ativo, se ele não o fizer em pouco tempo você receberá mais em dividendos do que o que foi pago na compra do ativo.

Petrobrás e HP

Há muito tempo temos defendido a compra de ações de Petrobrás, nossos investidores mais antigos sabem. O que sempre argumentamos é que mesmo que paire uma sombra de intervenção estatal sobre a empresa, os seus lucros e dividendos seriam tão grandes que o mercado não teria escolha, ou a ação subiria ou iriamos receber apenas em dividendos mais do que pagamos pela ação.

Como o a realidade insiste em se pintar de cinza e não de preto e branco, foi um pouco dos dois, uma valorização de 20% combinada com um dividendo de 46%, 78% de valorização no ano (aqui são juros compostos, os simples só existem em teoria).

Lá fora, são empresas diferentes, mas as regras do mercado são as mesmas. Por exemplo, temos HP com um valor de mercado de 25 bilhões de dólares e uma capacidade de retornar um fluxo de caixa livre de 3 bilhões por ano aos seus acionistas, um retorno de 12%.

A relação não é tão absurda quanto a de Petrobrás, mas a HP é uma das maiores fabricantes de computadores e impressoras do mundo, não é uma estatal de um país emergente.