A primeira coisa que todo mundo escuta ao participar do mercado de renda variável é “compre na baixa e venda na alta”. Essa frase faz investir em bolsa parecer uma tarefa simples, mas hoje vamos discutir a parte complicada que ninguém conta.
Ao longo dos últimos 21 anos, o índice Ibovespa apresentou quedas de 30%, ou mais, em relação ao seu topo histórico por 9 vezes. Os retornos nos 36 meses seguintes foram sempre positivos e com uma rentabilidade anual média composta de 18% ao ano a partir do respectivo fundo. Ainda que pese a amostra ser pequena, serve ao menos para afirmar que uma queda de 30% do topo histórico é um evento raro. (vide anexo)
De qualquer maneira, parece simples, esperamos a bolsa cair 30%, compramos uma parte relevante do nosso patrimônio financeiro e a longo prazo vamos ter retornos próximos à 18% ao ano. Como nenhum dos 9 resultados é negativo após 36 meses, mesmo no pior cenário teríamos um retorno de 2% ao ano, que seria compensado pelos retornos mais expressivos das outras tentativas.
O que ninguém conta é que quando a bolsa cair 30% você não vai querer comprar bolsa. Vai haver motivo pra bolsa estar caindo e alguém que você conhece e é “entendido” do assunto vai te falar sobre os perigos de se investir em renda variável e como esse mercado não é promissor.
O investidor que comprou bolsa em setembro de 2001 obteve retornos de 30% ao ano pelos próximos 3 anos, portanto, compre na baixa.
O investidor que comprou bolsa em setembro de 2001, comprou um Brasil com racionamento de energia, recorde de inadimplência bancária e dólar em alta, enquanto os Estados Unidos sofriam um ataque terrorista e davam início à guerra do Afeganistão. Um pacote de fim do mundo bem mais empolgante que o atual, mas dessa vez é diferente e está na hora de vender bolsa e comprar renda fixa, diz a manchete do seu jornal de investimentos.¹
Mais do que isso, quem comprou Ibovespa em 2001 viu seu patrimônio cair quase 20% até setembro de 2002, enquanto Lula subia nas pesquisas (qualquer semelhança com o cenário atual é mera coincidência) e lia manchetes como “Famílias gastam mais com juros do que com comida”.
Na maior parte do tempo, quando o mercado está em forte baixa o mundo está com data marcada para acabar no mês que vem. Quando a situação presente aparentemente é ruim, o ser humano tem o viés de perpetuar esse cenário para a eternidade, isso é chamado em finanças comportamentais de viés de projeção.
Dessa forma, assustados com as perspectivas futuras os investidores vendem quando é pra comprar e compram quando é para vender. Por exemplo, muitos conhecem a história do lendário Fundo Magellan dos Estados Unidos, que obteve retornos médios de 29% ao ano enquanto esteve em atividade. Entretanto, análises feitas sobre os retornos do investidor individual médio, chegaram à conclusão de que a maioria perdeu dinheiro investindo no fundo.
Na prática, o que acontecia era que os investidores compravam cotas nos anos nos quais o fundo ia bem, ou seja, perpetuavam o cenário positivo, e vendiam cotas nos anos nos quais o fundo ia mal, perpetuavam o cenário negativo.
Em parte, isso acontece porque as pessoas encaram os investimentos no mercado financeiro, que são totalmente líquidos, diferente da forma com a qual elas encaram investimentos ilíquidos, uma fazenda ou um imóvel por exemplo.
Do ponto de vista prático acreditamos que a melhor maneira de se proteger desse viés é olhar para as suas ações da mesma forma que você olha para aquele imóvel que você comprou como investimento.
Avaliar a expectativa de geração de caixa, o seu mercado, qualidades do ativo e não vender só porque tem um maluco gritando na rua que ele vale 2 reais. Usar a liquidez e volatilidade como aliadas e não inimigas.
Um adendo em relação a avaliação de investimentos
As pessoas gostam de comparar a performance dos investimentos pelos seus retornos recentes. Não é à toa que todo fim de ano existem os rankings anuais de melhores fundos, melhores ações, etc.
O cuidado que deve ser tomado aqui é entender o que propiciou a boa ou má performance, não existe mágica no mercado financeiro e tudo pode ser explicado. Portanto, ao ver os melhores investimentos dos últimos 12 meses, cuidado para não comprar na alta.
Um adendo em relação a um portfólio balanceado
Um portfólio de investimentos balanceado é composto por diferentes classes de ativos, tais como renda-fixa (leia mais sobre renda fixa aqui), ações, fundos imobiliários, investimentos no exterior e proteções.
Cada um destes ativos está sujeito a fatores de risco específicos e se comportam diferentemente quando submetidos a uma determinada conjuntura. Cumprem, portanto, papéis distintos e complementares em uma estratégia de investimentos vencedora.
_______________________________
¹Manchete1: Atentado nos EUA – 16/09/2001; Manchete 2: Inflação é a mais alta – 09/01/2015; Manchete 3: Famílias gastam mais – 01/09/2002;Manchete 4: Crise hídrica –24/01/2015
ANEXO
Tabela e gráfico sobre as quedas do Ibovespa