Publicado em junho/2023
Abordamos a lógica da precificação de ativos utilizada pelo mercado e como isso pode beneficiar empresas de menor valor de mercado com alto endividamento.
Importante: esse texto tem um propósito informativo, não estamos comprando tranqueiras para a sua carteira, não fazemos apostas.
O que são as piores ações
As melhores empresas são aquelas sempre citadas, geradoras de caixa, balanço sólido, consistência na entrega de resultados e que estão a muito tempo no mercado. As piores empresas são tudo isso, porém ao contrário, baixa ou nenhuma geração de caixa, balanço que dá até medo de tanta dívida e inconsistência nos resultados.
Como se ganha dinheiro investindo
Já fizemos alguns textos explicitando de onde vem os retornos dos seus investimentos em renda variável (texto aqui e texto aqui). Em resumo, você ganha participando dos lucros da empresa investida ou vendendo por um preço mais caro do que você pagou, neste texto, abordaremos mais a segunda alternativa.
Como são precificadas as ações
Toda a precificação de ações pode ser traduzida em múltiplos, você sempre poderá dividir o valor pelo qual uma empresa está sendo negociada pelo seu resultado.
A denominação mais comum do valor de uma empresa é o valor da firma, ou em inglês e mais comumente citado, Enterprise Value- EV. E essa denominação é o numerador do múltiplo mais usado no mercado, o EV/EBITDA.
Por exemplo, um múltiplo de 5 vezes, significa que o valor de negociação da empresa no mercado é equivalente a 5 anos do seu EBITDA (uma estimava do seu resultado operacional).
O que é o Enterprise Value
O Valor da Firma é composto pelo Valor de Mercado somado ao Valor da Dívida. Uma empresa com valor de mercado de 1 milhão e que possua uma dívida de 1 milhão é uma empresa com um valor de firma de 2 milhões.
Assim, o objetivo do Enterprise Value é mensurar qual é o montante de interesse financeiro de todos os investidores e credores no resultado operacional da companhia.
Mas o que faria uma empresa ruim subir de valor?
Valor da Firma (EV) = Valor de Mercado (VM) + Valor da Dívida (VD)
Há uma questão matemática por trás do Enterprise Value, como parte de seu valor depende da dívida e essa não se valoriza ou desvaloriza em movimentos de mercado, toda a apreciação de EV tem que acontecer por conta do valor de mercado.
O Valor de Mercado e sua contribuição para o EV
Enquanto o tamanho da dívida é uma decisão corporativa interna, o valor de mercado está sujeito ao julgamento do mercado. Sendo:
Valor de Mercado (VM) = Preço da Ação * Quantidade de ações emitidas pela companhia
Todo o impacto da avaliação dos investidores sobre o EV justo de uma companhia se dá por meio do deslocamento do preço das ações. Ou seja, se o mercado reavalia positivamente uma companhia, ele faz isso tornando as suas ações mais caras. Dessa forma, uma empresa mais endividada reage com maior ênfase as suas reavaliações.
Um caso teórico
Vamos pegar de exemplo uma empresa com EV de 2 milhões e um EBITDA de 400 mil, em outros termos, uma empresa negociando a 5 vezes EV/EBITDA.
Se o mercado “decide” elevar o múltiplo negociado dessa empresa para 6 vezes EV/EBITDA, uma alta de 20% no múltiplo, deve manifestar toda essa reavaliação no valor de mercado. Assim, podemos estabelecer que quanto maior for a proporção de dívida no Valor da Firma, mais a ação da companhia irá se valorizar.
A matemática por trás da apreciação do Valor da Firma
Como exemplo, uma companhia possuía um EV de 2 milhões, após uma alta de 20%, esse mesmo EV passou a ser 2.4 milhões. Originalmente a empresa tinha uma proporção equilibrada entre Valor de Mercado (50% ou 1 milhão) e Valor da dívida (50% ou 1 milhão). Como toda a alta do EV – 400 mil – ocorre em seu Valor de Mercado, por meio da valorização de suas ações, estas precisam subir 40% para que o EV suba 20%.
Se a empresa possuir uma proporção ainda maior de dívida no momento inicial, por exemplo, 20% de Valor de Mercado para 80% de Valor de Dívida (400 mil de VM para 1.6 milhões de Dívida), para mesma alta de 20% no EV há uma valorização de 100% no preço de suas ações.
Estamos em um bull market?
Normalmente os períodos de bullmarket acontecem em momentos de manutenção ou queda das taxas de juros.
O efeito mais direto das taxas de juros acontece no modelo de precificação de ativo dos bancos, gestoras e casas de análise. Toda empresa vale seus fluxos de caixa atuais e futuros trazidos a valor presente por uma taxa de desconto que inclui em sua composição a taxa básica da economia (SELIC).
Quando os juros caem e os fluxos são descontados a taxas menores, o EV de todas as empresas naturalmente sobe. Como não há diferenciação por qualidade empresarial nesse movimento é comum haver alta desproporcional de empresas muito endividadas.
Nos últimos dois meses o mercado brasileiro apresentou boa performance na precificação dos ativos, essa performance esteve associada a forte revisão da expectativa de juros futuros no Brasil.
Ainda é cedo para afirmar com convicção de que há um mercado de alta no Brasil, mas não há dúvida de que os agentes econômicos estão revisando suas projeções de forma mais otimista. Caso essa tendência continue, poderemos ver expressiva valorização dos ativos brasileiros, principalmente das piores empresas, rs.
Ressalvas
Como de costume, não pretendemos esgotar o assunto e nem abordamos todas as nuances possíveis no texto apresentado. Fique à vontade para entrar em contato se quiser aprofundar a discussão.
Aproveitamos essa sessão para fazer uma breve digressão sobre o termo “mercado”.
Utilizamos ele, muitas vezes, de maneira informal e como um agente ativo que tem vontade própria, todavia é importante ressaltar que quando colocamos intencionalidade no “mercado”, na prática, é a vontade de um agente ou grupo de agentes se sobressaindo aos demais. O mercado em si não tem vontade própria, nem intencionalidade.
O que faz uma ação subir não é a “vontade” do mercado, é uma gestora, banco, investidor ou assemelhado comprando a ação em quantidades maiores do que os outros agentes estão vendendo em determinado preço.