Taxas de juros, custos de oportunidade e taxa mínima de atratividade

Neste mês, retomamos o tema publicado em outubro (clique aqui para ter acesso), no qual discorremos sobre o impacto das baixas taxas de juros no preço dos ativos. Naquele texto foi abordada uma possível explicação sobre porque, mesmo em um cenário adverso como o de 2020, marcado pela pandemia de COVID-19 e com grandes impactos nos resultados corporativos, as bolsas de valores tiveram retornos perto da estabilidade (Ibovespa) ou até mesmo positivos (S&P500).

Em resumo, apresentamos argumentos e evidências de que menores taxas de juros diminuem o custo de oportunidade do investidor, fazendo com que ele aceite pagar mais caro em seus investimentos esperando, portanto, menores taxas de retorno.

Desenvolveremos mais o assunto, discutindo a existência de um limite inferior para esse custo de oportunidade e até onde um investidor deveria abrir mão do retorno em seus investimentos de risco por conta de taxas de juros, livres de risco, mais baixas.

Taxa mínima de atratividade

A taxa mínima de atratividade (TMA) é um conceito auto descritivo, é o percentual mínimo que o investidor está disposto a ganhar ao fazer um investimento. Na maior parte do tempo, a TMA e o custo de oportunidade são a mesma coisa, entretanto, em cenários atípicos como o atual, os conceitos divergem.

Fonte: I.P.A.

Enquanto o custo de oportunidade é definido de acordo com as outras opções disponíveis para alocação de capital, a TMA contém um fator próprio relacionado ao tempo máximo durante o qual o investidor gostaria de reaver seu capital. Ninguém gostaria de ter seu capital de volta apenas daqui a 100 anos, pois, provavelmente estaria morto.

Crescimento e taxas de juros
Durante os últimos anos, como abordado no texto de novembro, as autoridades monetárias ao redor do globo, em especial o FED – banco central americano – contribuíram decisivamente para a apreciação do mercado acionário americano baixando as taxas de juros a níveis sem precedentes, movimento acelerado durante a pandemia.

Além das taxas de juros, existem outros fatores que podem afetar a atratividade de um investimento. O crescimento é um dos fatores mais importantes usados por boa parte dos analistas como justificativa para valuations acima da média.

Uma empresa que, com lucros constantes, só retornaria o capital investido em 100 anos, reduz o prazo para 50 anos se o seu lucro dobrar no primeiro ano, para 25 se dobrar novamente no segundo e para 12,5 anos se dobrar novamente no terceiro.

Com essa perspectiva (ou narrativa) de crescimento, principalmente nas empresas de tecnologia que dominam o principal índice de ações dos Estados Unidos, o S&P500, os preços têm se sustentado acima da média histórica do mercado.

Segundo John P. Hussman, presidente do Hussman Investment Trust, entretanto, a taxa estrutural de crescimento do PIB americano desacelerou de uma média de 3-4% a.a. para 1,5% a.a. nos anos recentes (desconsiderando-se os efeitos da pandemia). Nesse sentido, os próprios juros extremamente baixos na economia americana surgiram como uma maneira do FED estimular o crescimento econômico.

Ainda que se pese o contraponto de que a bolsa de valores e o PIB são coisas distintas, pois, dentro dos índices de ações estão apenas as empresas dominantes, vencedoras e com acesso a capital, existe uma impossibilidade matemática de uma empresa crescer a taxas maiores que o PIB eternamente, a empresa seria maior que a economia – é como imaginar uma árvore maior que a própria floresta.

Então, baixas taxas de juros justificam qualquer valuation?

De acordo com Hussman, o dividend yield (DY -calculado como dividendos pagos dividido pelo preço das ações) do S&P500, historicamente, girou em torno de 4% em média. Considerando uma taxa anualizada de longo-prazo para o crescimento dos dividendos, receitas e lucros das empresas de 6%, poderíamos esperar retornos de longo prazo do S&P500 anuais de 10% (4% + 6%). Aos presentes valuations das ações do S&P500, o DY está em 1,6%.

Dessa maneira, se somarmos o DY com o crescimento do PIB esperado (1,5% + 1,6%), poderíamos imaginar retornos futuros em torno de 3,1% ou 32 anos para se recuperar o capital investido. Nesta análise, considerando que os juros estão baixos devido ao baixo crescimento, nenhum prêmio extra deveria ser esperado nos preços das ações.

Muitos argumentariam que os preços das ações americanas têm estado elevados já há alguns anos. Seria possível identificar um limite até o qual os valuations poderiam ir? Poderia essa ser uma bolha clássica? O contexto dos juros zerados na maior parte do mundo dificulta a percepção, com clareza, desse limite.

Bolha ou continuidade do bullmarket?

Ao mesmo tempo que fica, cada vez mais, evidente o elevado preço dos ativos, o presidente Joe Biden segue firme no propósito de fazer cumprir sua promessa de campanha “Buid Back Better” com o estabelecimento de um projeto trilionário (USD 3 tri) de infraestrutura incluindo estradas, hospitais e sistemas de energia sustentáveis, para impulsionar a economia e melhorar a qualidade de vida.

Com a aceleração da vacinação por lá, a expectativa de reabertura da economia e a ajuda do pacote trilionário, a economia americana deverá apresentar forte crescimento, já a partir do início do segundo semestre de 2021. O mesmo deve acontecer com a China.

A economia global tem alguns importantes elementos para iniciar uma fase de crescimento sincronizado e prosperidade, o que pode ainda não ser suficiente para justificar preços tão elevados em alguns ativos.

O S&P500 e o stock picking

O S&P500 é um índice de ações no qual o valor de mercado das empresas e sua liquidez são critérios para a seleção dos ativos. Dessa forma, é natural que empresas relacionadas a temas e setores em alta se tornem parte relevante do índice, o que não precisa ser a regra para a carteira de um investidor individual. Não é mandatório comprar ações tech “da moda”, com valuations pouco atrativos, porque outros investidores estão comprando.

Diante das perspectivas apresentadas, voltamos a defender a racionalidade nos investimentos, a compra de boas empresas a bons preços e, portanto, à taxas de retorno esperadas atrativas. Assim, neste momento, a gestão passiva do portfólio pode correr mais riscos. O stock picking (seleção criteriosa de ações) ganha relevo neste cenário.